Alguns filmes além de nos presentear com uma experiência cinematográfica belíssima ainda nos permitem ampliar a nossa visão de mundo conhecendo um pouco da cultura de outros povos. No longa-metragem islandês Hrútar (no original) ou A Ovelha Negra (em português) somos apresentados ao país do fogo e do gelo e agora também das ovelhas! Do gelo por se situar junto ao Círculo Polar Ártico, com as suas numerosas geleiras, de onde correm inúmeros rios, do fogo por ser o país que possui a maior quantidade de vulcões ativos, além dos gêiseres e das fontes de água quente, e das ovelhas por lá existirem mais ovelhas e carneiros do que seres humanos.
A história é um drama existencial. Em um vale isolado na Islândia, Gummi (Sigurður Sigurjónsson) e Kiddi (Theodór Júlíusson) vivem lado a lado, dedicando-se às suas ovelhas, que carregam uma linhagem antiga no país. Embora compartilhem a terra e o modo de vida, eles não falam um com o outro há 40 anos. Logo após um concurso anual de melhor carneiro, uma doença infecciosa e neurodegenerativa fatal é descoberta em um dos carneiros de Kiddi, colocando todo o vale sob ameaça. As autoridades estabelecem que a região ficará sob quarentena, decidindo abater todos os animais na área para conter o surto. Esta é quase uma sentença de morte para os agricultores, cujas ovelhas são a sua principal fonte de renda. Como a comunidade local só vive em função da criação desses animais, muitos fazendeiros optam por abandonar as suas terras, mas Gummi e Kiddi não desistirão tão facilmente. Com as autoridades fechando o cerco para evitar que a contaminação se alastre, os irmãos terão de se unir para salvar sua longeva e premiada linhagem de ovelhas, além deles próprios, da extinção.
Em seu primeiro longa-metragem de grande expressão o diretor e também roteirista Grímur Hákonarson constrói, com muita habilidade, uma trama envolvente, de narrativa lenta e enfoque psicológico-emocional. Progressivamente o espectador vai sendo cativado pela história e pelas dificuldades dos dois personagens protagonistas, sejam elas de convivência ou de sobrevivência. O clima de tragédia presente no filme aumenta conforme o inverno se aproxima e aqui temos que ressaltar o ótimo trabalho do diretor de fotografia Sturla Brandth Grøvlen. Com a utilização de muitos planos abertos, acompanhamos sem dificuldade a trajetória dos personagens e as difíceis condições que enfrentam. Contemplamos a belíssima e peculiar paisagem de uma região que sai de um ambiente vibrante e de tonalidade verde para outro branco e seco, de aparência inóspita e isolada, onde a presença do frio intenso e da neve retratam a solidão e o exílio. A trilha sonora pontua todo o filme, ficando cada vez mais melancólica com a mudança de estação.
A diferença de personalidade entre os dois irmãos é muito bem trabalhada pelos atores, sendo mais um ponto forte da história. Gummi (Sigurður Sigurjónsson) é pacato e conformista enquanto Kiddi (Theodór Júlíusson) é explosivo e brigador. As rusgas não explicitadas do passado provocam um certo mistério no filme e as interações do presente ocasionam alguns momentos cômicos nesse drama familiar.
A ovelha negra é um filme sobre a relação do homem com os animais, com o seu habitat e com o seu eu interior. Mais do que perder as condições de vida e de trabalho, perder suas ovelhas significa perder a sua identidade, o seu modo de vida, perder a essência daquilo que o faz ser o que você é. Hrútar ganhou o Prêmio de Melhor Filme na mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes de 2015.
Título original: Hrútar
Título em português: A Ovelha Negra
Diretor: Grímur Hákonarson
http://www.imdb.com/title/tt3296658/
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